quarta-feira, 23 de março de 2011

Todas as crianças são bem-vindas à escola


Maria Teresa Eglér Mantoan
Universidade Estadual de Campinas / Unicamp
Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Reabilitação de Pessoas com Deficiência - LEPED/ FE/ Unicamp

A inclusão é uma inovação, cujo sentido tem sido muito distorcido e um movimento muito polemizado pelos mais diferentes segmentos educacionais e sociais. No entanto, inserir alunos com déficits de toda ordem, permanentes ou temporários, mais graves ou menos severos no ensino regular nada mais é do que garantir o direito de todos à educação - e assim diz a Constituição !
Inovar não tem necessariamente o sentido do inusitado. As grandes inovações estão, muitas vezes na concretização do óbvio, do simples, do que é possível fazer, mas que precisa ser desvelado, para que possa ser compreendido por todos e aceito sem outras resistências, senão aquelas que dão brilho e vigor ao debate das novidades.
O objetivo de nossa participação neste evento é clarear o sentido da inclusão, como inovação, tornando-o compreensível, aos que se interessam pela educação como um direito de todos, que precisa ser respeitado. Pretendemos, também demonstrar a viabilidade da inclusão pela transformação geral das escolas, visando a atender aos princípios deste novo paradigma educacional.
Para descrever o nosso caminho na direção das escolas inclusivas vamos focalizar nossas experiências, no cenário educacional brasileiro sob três ângulos : o dos desafios provocados por essa inovação, o das ações no sentido de efetivá-la nas turmas escolares, incluindo o trabalho de formação de professores e, finalmente o das perspectivas que se abrem à educação escolar, a partir de sua implementação.

UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS
O princípio democrático da educação para todos só se evidencia nos sistemas educacionais que se especializam em todos os alunos, não apenas em alguns deles, os alunos com deficiência. A inclusão, como consequência de um ensino de qualidade para todos os alunos provoca e exige da escola brasileira novos posicionamentos e é um motivo a mais para que o ensino se modernize e para que os professores aperfeiçoem as suas práticas. É uma inovação que implica num esforço de atualização e reestruturação das condições atuais da maioria de nossas escolas de nível básico.
O motivo que sustenta a luta pela inclusão como uma nova perspectiva para as pessoas com deficiência é, sem dúvida, a qualidade de ensino nas escolas públicas e privadas, de modo que se tornem aptas para responder às necessidades de cada um de seus alunos, de acordo com suas especificidades, sem cair nas teias da educação especial e suas modalidades de exclusão.
O sucesso da inclusão de alunos com deficiência na escola regular decorre, portanto, das possibilidades de se conseguir progressos significativos desses alunos na escolaridade, por meio da adequação das práticas pedagógicas à diversidade dos aprendizes. E só se consegue atingir esse sucesso, quando a escola regular assume que as dificuldades de alguns alunos não são apenas deles, mas resultam em grande parte do modo como o ensino é ministrado, a aprendizagem é concebida e avaliada. Pois não apenas as deficientes são excluídas, mas também as que são pobres, as que não vão às aulas porque trabalham, as que pertencem a grupos discriminados, as que de tanto repetir desistiram de estudar.

OS DESAFIOS
Toda criança precisa da escola para aprender e não para marcar passo ou ser segregada em classes especiais e atendimentos à parte. A trajetória escolar não pode ser comparada a um rio perigoso e ameaçador, em cujas águas os alunos podem afundar. Mas há sistemas organizacionais de ensino que tornam esse percurso muito difícil de ser vencido, uma verdadeira competição entre a correnteza do rio e a força dos que querem se manter no seu curso principal.
Um desses sistemas, que muito apropriadamente se denomina "de cascata", prevê a exclusão de algumas crianças, que têm déficits temporários ou permanentes e em função dos quais apresentam dificuldades para aprender. Esse sistema contrapõe-se à melhoria do ensino nas escolas, pois mantém ativo, o ensino especial, que atende aos alunos que caíram na cascata, por não conseguirem corresponder às exigências e expectativas da escola regular. Para se evitar a queda na cascata, na maioria das vezes sem volta, é preciso remar contra a correnteza, ou seja, enfrentar os desafios da inclusão : o ensino de baixa qualidade e o subsistema de ensino especial, desvinculadae justaposto ao regular.
Priorizar a qualidade do ensino regular é, pois, um desafio que precisa ser assumido por todos os educadores. É um compromisso inadiável das escolas, pois a educação básica é um dos fatores do desenvolvimento econômico e social. Trata-se de uma tarefa possível de ser realizada, mas é impossível de se efetivar por meio dos modelos tradicionais de organização do sistema escolar.
Se hoje já podemos contar com uma Lei Educacional que propõe e viabiliza novas alternativas para melhoria do ensino nas escolas, estas ainda estão longe, na maioria dos casos, de se tornarem inclusivas, isto é, abertas a todos os alunos, indistinta e incondicionalmente. O que existe em geral são projetos de inclusão parcial, que não estão associados a mudanças de base nas escolas e que continuam a atender aos alunos com deficiência em espaços escolares semi ou totalmente segregados (classes especiais, salas de recurso, turmas de aceleração, escolas especiais, os serviços de itinerância).
As escolas que não estão atendendo alunos com deficiência em suas turmas regulares se justificam, na maioria das vezes pelo despreparo dos seus professores para esse fim. Existem também as que não acreditam nos benefícios que esses alunos poderão tirar da nova situação, especialmente os casos mais graves, pois não teriam condições de acompanhar os avanços dos demais colegas e seriam ainda mais marginalizados e discriminados do que nas classes e escolas especiais.
Em ambas as circunstâncias, o que fica evidenciado é a necessidade de se redefinir e de se colocar em ação novas alternativas e práticas pedagógicas, que favoreçam a todos os alunos, o que, implica na atualização e desenvolvimento de conceitos e em aplicações educacionais compatíveis com esse grande desafio.
Muda então a escola ou mudam os alunos, para se ajustarem às suas velhas exigências ? Ensino especializado em todas as crianças ou ensino especial para deficientes? Professores que se aperfeiçoam para exercer suas funções, atendendo às peculiaridades de todos os alunos, ou professores especializados para ensinar aos que não aprendem e aos que não sabem ensinar?

AS AÇÕES
Visando os aspectos organizacionais
Ao nosso ver é preciso mudar a escola e mais precisamente o ensino nelas ministrado. A escola aberta para todos é a grande meta e, ao mesmo tempo, o grande problema da educação na virada do século.
Mudar a escola é enfrentar uma tarefa que exige trabalho em muitas frentes. Destacaremos as que consideramos primordiais, para que se possa transformar a escola , em direção de um ensino de qualidade e, em consequência, inclusivo.
Temos de agir urgentemente:
  • colocando a aprendizagem como o eixo das escolas, porque escola foi feita para fazer com que todos os alunos aprendam;
  • garantindo tempo para que todos possam aprender e reprovando a repetência;
  • abrindo espaço para que a cooperação, o diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito crítico sejam exercitados nas escolas, por professores, administradores, funcionários e alunos, pois são habilidades mínimas para o exercício da verdadeira cidadania;
  • estimulando, formando continuamente e valorizando o professor que é o responsável pela tarefa fundamental da escola - a aprendizagem dos alunos;
  • elaborando planos de cargos e aumentando salários, realizando concursos públicos de ingresso, acesso e remoção de professores.
Que ações implementar para que a escola mude ?
Para melhorar as condições pelas quais o ensino é ministrado nas escolas, visando, universalizar o acesso, ou seja, a inclusão de todos, incondicionalmente, nas turmas escolares e democratizar a educação, sugerimos o que, felizmente, já está ocorrendo em muitas redes de ensino, verdadeiras vitrines que expõem o sucesso da inclusão.
A primeira sugestão para que se caminhe para uma educação de qualidade é estimular as escolas para que elaborem com autonomia e de forma participativa o seu Projeto Político Pedagógico, diagnosticando a demanda, ou seja, verificando quantos são os alunos, onde estão e porque alguns estão fora da escola.
Sem que a escola conheça os seus alunos e os que estão à margem dela, não será possível elaborar um currículo escolar que reflita o meio social e cultural em que se insere. A integração entre as áreas do conhecimento e a concepção transversal das novas propostas de organização curricular consideram as disciplinas acadêmicas como meios e não fins em si mesmas e partem do respeito à realidade do aluno, de suas experiências de vida cotidiana, para chegar à sistematização do saber.
Como essa experiência varia entre os alunos, mesmo sendo membros de uma mesma comunidade, a implantação dos ciclos de formação é uma solução justa, embora ainda muito incompreendida pelos professores e pais, por ser uma novidade e por estar sendo ainda pouco difundida e aplicada pelas redes de ensino. De fato, se dermos mais tempo para que os alunos aprendam, eliminando a seriação, a reprovação, nas passagens de um ano para outro, estaremos adequando o processo de aprendizagem ao ritmo e condições de desenvolvimento dos aprendizes - um dos princípios das escolas de qualidade para todos
Por outro lado, a inclusão não implica em que se desenvolva um ensino individualizado para os alunos que apresentam déficits intelectuais, problemas de aprendizagem e outros, relacionados ao desempenho escolar. Na visão inclusiva, não se segregam os atendimentos, seja dentro ou fora das salas de aula e, portanto, nenhum aluno é encaminhado à salas de reforço ou aprende, a partir de currículos adaptados. O professor não predetermina a extensão e a profundidade dos conteúdos a serem construídos pelos alunos, nem facilita as atividades para alguns, porque, de antemão já prevê q dificuldade que possam encontrar para realizá-las. Porque é o aluno que se adapta ao novo conhecimento e só ele é capaz de regular o seu processo de construção intelectual.
A avaliação constitui um outro entrave à implementação da inclusão. É urgente suprimir o caráter classificatório da avaliação escolar, através de notas, provas, pela visão diagnóstica desse processo que deverá ser contínuo e qualitativo, visando depurar o ensino e torná-lo cada vez mais adequado e eficiente à aprendizagem de todos os alunos. Essa medida já diminuiria substancialmente o número de alunos que são indevidamente avaliados e categorizados como deficientes, nas escolas regulares.
A aprendizagem como o centro das atividades escolares e o sucesso dos alunos, como a meta da escola, independentemente do nível de desempenho a que cada um seja capaz de chegar são condições de base para que se caminha na direção de escolas acolhedoras. O sentido desse acolhimento não é o da aceitação passiva das possibilidades de cada um, mas o de serem receptivas a todas as crianças, pois as escolas existem, para formar as novas gerações, e não apenas alguns de seus futuros membros, os mais privilegiados.
A inclusão não prevê a utilização de métodos e técnicas de ensino específicas para esta ou aquela deficiência. Os alunos aprendem até o limite em que conseguem chegar, se o ensino for de qualidade, isto é, se o professor considera o nível de possibilidades de desenvolvimento de cada um e explora essas possibilidades, por meio de atividades abertas, nas quais cada aluno se enquadra por si mesmo, na medida de seus interesses e necessidades, seja para construir uma idéia, ou resolver um problema, realizar uma tarefa. Eis aí um grande desafio a ser enfrentado pelas escolas regulares tradicionais, cujo paradigma é condutista, e baseado na transmissão dos conhecimentos.
O trabalho coletivo e diversificado nas turmas e na escola como um todo é compatível com a vocação da escola de formar as gerações. É nos bancos escolares que aprendemos a viver entre os nossos pares, a dividir as responsabilidades, repartir as tarefas. O exercício dessas ações desenvolve a cooperação, o sentido de se trabalhar e produzir em grupo, o reconhecimento da diversidade dos talentos humanos e a valorização do trabalho de cada pessoa para a consecução de metas comuns de um mesmo grupo.
O tutoramento nas salas de aula tem sido uma solução natural, que pode ajudar muito os alunos, desenvolvendo neles o hábito de compartilhar o saber. O apoio ao colega com dificuldade é uma atitude extremamente útil e humana e que tem sido muito pouco desenvolvida nas escolas, sempre tão competitivas e despreocupadas com a a construção de valores e de atitudes morais.
Além dessas sugestões, referentes ao ensino nas escolas, a educação de qualidade para todos e a inclusão implicam em mudanças de outras condições relativas à administração e aos papéis desempenhados pelos membros da organização escolar.
Nesse sentido é primordial que sejam revistos os papéis desempenhados pelos diretores e coordenadores, no sentido de que ultrapassem o teor controlador, fiscalizador e burocrático de suas funções pelo trabalho de apoio, orientação do professor e de toda a comunidade escolar.
A descentralização da gestão administrativa, por sua vez, promove uma maior autonomia pedagógica, administrativa e financeira de recursos materiais e humanos das escolas, por meio dos conselhos, colegiados, assembléias de pais e de alunos. Mudam-se os rumos da administração escolar e com isso o aspecto pedagógico das funções do diretor e dos coordenadores e supervisores emerge. Deixam de existir os motivos pelos quais que esses profissionais ficam confinados aos gabinetes, às questões burocráticas, sem tempo para conhecer e participar do que acontece nas salas de aula.
Visando a formação continuada dos professores
Sabemos que, no geral, os professores são bastante resistentes às inovações educacionais, como a inclusão. A tendência é se refugiarem no impossível, considerando que a proposta de uma educação para todos é válida, porém utópica, impossível de ser concretizada com muitos alunos e nas circunstâncias em que se trabalha, hoje, nas escolas, principalmente nas redes públicas de ensino.
A maioria dos professores têm uma visão funcional do ensino e tudo o que ameaça romper o esquema de trabalho prático que aprenderam a aplicar em suas salas de aula é rejeitado. Também reconhecemos que as inovações educacionais abalam a identidade profissional, e o lugar conquistado pelos professores em uma dada estrutura ou sistema de ensino, atentando contra a experiência, os conhecimentos e o esforço que fizeram para adquiri-los.
Os professores, como qualquer ser humano, tendem a adaptar uma situação nova às anteriores. E o que é habitual, no caso dos cursos de formação inicial e na educação continuada, é a separação entre teoria e prática. Essa visão dicotômica do ensino dificulta a nossa atuação, como formadores. Os professores reagem inicialmente à nossa metodologia, porque estão habituados a aprender de maneira incompleta, fragmentada e essencialmente instrucional. Eles esperam aprender uma prática inclusiva, ou melhor, uma formação que lhes permita aplicar esquemas de trabalho pré-definidos às suas salas de aulas, garantindo-lhes a solução dos problemas que presumem encontrar nas escolas inclusivas.
Em uma palavra, os professores acreditam que a formação em serviço lhes assegurará o preparo de que necessitam para se especializarem em todos os alunos, mas concebem essa formação como sendo mais um curso de extensão, de especialização com uma terminalidade e com um certificado que lhes convalida a capacidade de efetivar a inclusão escolar. Eles introjetaram o papel de praticantes e esperam que os formadores lhes ensinem o que é preciso fazer, para trabalhar com níveis diferentes de desempenho escolar, transmitindo-lhes os novos conhecimentos, conduzindo-lhes da mesma maneira como geralmente trabalham com seus próprios alunos. Acreditam que os conhecimentos que lhes faltam para ensinar as crianças com deficiência ou dificuldade de aprender por outras incontáveis causas referem-se primordialmente à conceituação, etiologia, prognósticos das deficiências e que precisam conhecer e saber aplicar métodos e técnicas específicas para a aprendizagem escolar desses alunos. Os dirigentes das redes de ensino e das escolas particulares também pretendem o mesmo, num primeiro momento, em que solicitam a nossa colaboração.
Se de um lado é preciso continuar investindo maciçamente na direção da formação de profissionais qualificados, não se pode descuidar da realização dessa formação e estar atento ao modo pelo qual os professores aprendem para se profissionalizar e para aperfeiçoar seus conhecimentos pedagógicos, assim como reagem às novidades, aos novos possíveis educacionais.
A metodologia
Diante dessas circunstâncias e para que possamos atingir nossos propósitos de formar professores para uma escola de qualidade para todos, idealizamos um projeto de formação que tem sido adotado por redes de ensino públicas e escolas particulares brasileiras, desde 1991.
Nossa proposta de formação se baseia em princípios educacionais construtivistas, pois reconhecemos que a cooperação, a autonomia intelectual e social, a aprendizagem ativa e a cooperação são condições que propiciam o desenvolvimento global de todos os alunos, assim como a capacitação e o aprimoramento profissional dos professores.
Nesse contexto, o professor é uma referência para o aluno e não apenas um mero instrutor, pois enfatizamos a importância de seu papel tanto na construção do conhecimento, como na formação de atitudes e valores do futuro cidadão. Assim sendo, a formação continuada vai além dos aspectos instrumentais de ensino.
A metodologia que adotamos reconhece que o professor, assim como o seu aluno, não aprendem no vazio. Assim sendo, partimos do "saber fazer" desses profissionais, que já possuem conhecimentos, experiências, crenças, esquemas de trabalho, ao entrar em contato com a inclusão ou qualquer outra inovação.
Em nossos projetos de aprimoramento e atualização do professor consideramos fundamental o exercício constante de reflexão e o compartilhamento de idéias, sentimentos, ações entre os professores, diretores, coordenadores da escola. Interessam-nos as experiências concretas, os problemas reais, as situações do dia-a-dia que desequilibram o trabalho, nas salas de aula. Eles são a matéria-prima das mudanças. O questionamento da própria prática, as comparações, a análise das circunstâncias e dos fatos que provocam perturbações e/ou respondem pelo sucesso vão definindo, pouco a pouco, aos professores as suas "teorias pedagógicas". Pretendemos que os professores sejam capazes de explicar o que outrora só sabiam reproduzir, a partir do que aprendiam em cursos, oficinas, palestras, exclusivamente. Incentivamos os professores para que interajam com seus colegas com regularidade, estudem juntos, com e sem o nosso apoio técnico e que estejam abertos para colaborar com seus pares, na busca dos caminhos pedagógicos da inclusão.
O fato de os professores fundamentarem suas práticas e argumentos pedagógicos no senso comum dificulta a explicitação dos problemas de aprendizagem. Essa dificuldade pode mudar o rumo da trajetória escolar de alunos que muitas vezes são encaminhados indevidamente para as modalidades do ensino especial e outras opções segregativas de atendimento educacional.
Daí a necessidade de se formarem grupos de estudos nas escolas, para a discussão e a compreensão dos problemas educacionais, à luz do conhecimento científico e interdisciplinarmente, se possível. Os grupos são organizados espontaneamente pelos próprios professores, no horário em que estão nas escolas e são acompanhados, inicialmente, pela equipe da rede de ensino, encarregada da coordenação das ações de formação. As reuniões têm como ponto de partida, as necessidades e interesse comuns de alguns professores de esclarecer situações e de aperfeiçoar o modo como trabalham nas salas de aula. O foco dos estudos está na resolução dos problemas de aprendizagem, o que remete à análise de como o ensino está sendo ministrado, pois o processo de construção do conhecimento é interativo e os seus dois lados devem ser analisados, quando se quer esclarecê-lo.
Participam dos grupos, além dos professores, o diretor da escola, coordenadores, mas há grupos que se formam entre membros de diversas escolas, que estejam voltados para um mesmo tema de estudo, como por exemplo a indisciplina, a sexualidade, a ética e a violência, a avaliação e outros assuntos pertinentes.
A equipe responsável pela coordenação da formação é constituída por professores, coordenadores, que são da própria rede de ensino, e por parceiros de outras Secretarias afins: Saúde, Esportes, Cultura. Nós trabalhamos diretamente com esses profissionais, mas também participamos do trabalho nas escolas, acompanhando-as esporadicamente, quando somos solicitados - minha equipe de alunos e eu.
Os Centros de Desenvolvimento do Professor
Algumas redes de ensino criaram o que chamamos de Centros de Desenvolvimento do Professor, os quais representam um avanço nessa nova direção de formação continuada, que estamos propondo, pois sediam a maioria das ações de aprimoramento da rede, promovendo eventos de pequeno, médio e grande porte, como workshops, seminários, entrevistas, com especialistas, fóruns e outras atividades. Sejam atendendo individualmente, como em pequenos e grandes grupos os professores, pais, comunidade. Os referidos Centros também se dedicam ao encaminhamento e atendimento de alunos que necessitam de tratamento clínico, em áreas que não sejam a escolar, propriamente dita.
Temos estimulado em todas as redes em que atuamos a criação dos centros, pois ao nosso ver, eles resumem o que pretendemos, quando nos referimos à formação continuada - um local em que o professor e toda comunidade escolar vem para realimentar o conhecimento pedagógico, além de servir igualmente aos alunos e a todos os interessados pela educação, no município.
Ao nosso ver, os cursos e demais atividades de formação em serviço, habitualmente oferecidos aos professores não estão obtendo o retorno que o investimento propõe. Temos insistido na criação desses Centros, porque a existência de seus serviços redireciona o que já é usual nas redes de ensino, ou seja, o apoio ao professor, pelos itinerantes. Não concordamos com esse suporte a alunos e professores com dificuldades, porque "apagam incêndio", agem sobre os sintomas, oferecem soluções particularizadas, locais, mas não vão à fundo no problema e suas causas. Os serviços itinerantes de apoio não solicitam o professor, no sentido de que se mobilize, de que reveja sua prática. Sua existência não obriga o professor a assumir a responsabilidade pela aprendizagem de todos os alunos, pois já existe um especialista para atender aos caso mais difíceis, que são os que justamente fazem o professor evoluir, na maneira de proceder com a turma toda. Porque se um aluno não vai bem, seja ele uma pessoa com ou sem deficiência, o problema precisa ser analisado não apenas com relação às reações dessa ou de outra criança, mas ao grupo como um todo, ao ensino que está sendo ministrado, para que os alunos possam aprender, naquele grupo.
A itinerância não faz evoluir as práticas, o conhecimento pedagógico dos professores. Ë, na nossa opinião, mais uma modalidade da educação especial que acomoda o professor do ensino regular, tirando-lhe a oportunidade de crescer, de sentir a necessidade de buscar soluções e não aguardar que alguém de fora venha, regularmente, para resolver seus problemas. Esse serviço igualmente reforça a idéia de que os problemas de aprendizagem são sempre do aluno e que ó o especialista poderá se incumbir de removê-los, com adequação e eficiência.
O tipo de formação que estamos implementando para tornar possível a inclusão implica no estabelecimento de parcerias entre professores, alunos, escolas, profissionais de outras áreas afins, Universidades, para que possa se manter ativa e capaz de fazer frente às inúmeras solicitações que essa modalidade de trabalho provoca nos interessados. Por outro lado, essas parcerias ensejam o desenvolvimento de outras ações, entre as quais a investigação educacional e em outros ramos do conhecimento. São nessas redes e a partir dessa formação que estamos pesquisando e orientando trabalhos de nossos alunos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação / Unicamp e onde estamos observando os efeitos desse trabalho, nas redes.
Não dispensamos os cursos, oficinas e outros eventos de atualização e de aperfeiçoamento, quando estes são reinvindicados pelo professor e nesse sentido a parceria com outros grupos de pesquisa da Unicamp e colegas de outras Universidades têm sido muito eficiente. Mas há cursos que oferecemos aos professores, que são ministrados por seus colegas da própria rede, quando estes se dispõe a oferecê-los ou são convidados por nós, ao conhecermos o valor de sua contribuição para os demais.
As escolas e professores com os quais estamos trabalhando já apresentam sintomas pelos quais podemos perceber que estão evoluindo dia -a- dia para uma Educação de qualidade para Todos. Esses sintomas podem ser resumidos no que segue:
  • reconhecimento e valorização da diversidade, como elemento enriquecedor do processo de ensino e aprendizagem;
  • professores conscientes do modo como atuam, para promover a aprendizagem de todos os alunos;
  • cooperação entre os implicados no processo educativo - dentro e fora da escola;
  • valorização do processo sobre o produto da aprendizagem;
  • enfoques curriculares, metodológicos e estratégias pedagógicas que possibilita, a construção coletiva do conhecimento.
É preciso, contudo, considerar que a avaliação dos efeitos de nossos projetos não se centram no aproveitamento de alguns alunos, os deficientes, nas classes regulares. Embora estes casos sejam objeto de nossa atenção, queremos acima de tudo saber se os professores evoluíram na sua maneira de fazer acontecer a aprendizagem nas suas salas de aula; se as escolas se transformaram, se as crianças estão sendo respeitadas nas suas possibilidades de avançar, autonomamente, na construção dos conhecimentos acadêmicos; se estes estão sendo construídos no coletivo escolar, em clima de solidariedade; se a as relações entre as crianças, pais, professores e toda a comunidade escolar se estreitaram, nos laços da cooperação, do diálogo, fruto de um exercício diário de compartilhamento de seus deveres, problemas, sucessos.
Outras alternativas de formação
Para ampliar essas parcerias estamos utilizando também as redes de comunicação à distância para intercâmbios de experiências entre alunos e profissionais da educação, pais e comunidade. Embora ainda incipiente, o Caleidoscópio - Um Projeto de Educação Para Todos é o nosso site na Internet e por meio deste hipertexto estamos trabalhando no sentido de provocar a interatividade presencial e virtual entre as escolas, como mais uma alternativa de formação continuada, que envolve os alunos, as escolas e a rede como um todo. O Caleidoscópio tem sido objeto de estudos de nossos alunos e de outras unidades da Unicamp, relacionadas à ciência da computação e está crescendo como proposta e abrindo canais de participação com a comunidade e com outras instituições que se propõe a participar do movimento inclusivo, dentro e fora das escolas.
Se pretendemos mudanças nas práticas de sala de aula, não podemos continuar formando e aperfeiçoando os professores como se as inovações só se referissem à aprendizagem dos alunos da educação infantil, da escola fundamental e do ensino médio...

AS PERSPECTIVAS
A escola para a maioria das crianças brasileiras é o único espaço de acesso aos conhecimentos universais e sistematizados, ou seja, é o lugar que vai lhes proporcionar condições de se desenvolver e de se tornar um cidadão , alguém com identidade social e cultural
Melhorar as condições da escola é formar gerações mais preparadas para viver a vida na sua plenitude, livremente, sem preconceitos, sem barreiras. Não podemos nos contradizer nem mesmo contemporizar soluções, mesmo que o preço que tenhamos de pagar seja bem alto, pois nunca será tão alto quanto o resgate de uma vida escolar marginalizada, uma evasão, uma criança estigmatizada, sem motivos.
A escola prepara o futuro e de certo que se as crianças conviverem e aprenderem a valorizar a diversidade nas suas salas de aula, serão adultos bem diferentes de nós, que temos de nos empenhar tanto para defender o indefensável.
A inclusão escolar remete a escola a questões de estrutura e de funcionamento que subvertem seus paradigmas e que implicam em um redimensionamento de seu papel, para um mundo que evolui a "bytes".
O movimento inclusivo, nas escolas, por mais que seja ainda muito contestado, pelo caráter ameaçador de toda e qualquer mudança, especialmente no meio educacional, é irreversível e convence a todos pela sua lógica, pela ética de seu posicionamento social.
A inclusão está denunciando o abismo existente entre o velho e o novo na instituição escolar brasileira. A inclusão é reveladora dessa distância que precisa ser preenchida com as ações que relacionamos anteriormente.
Assim sendo, o futuro da escola inclusiva está, ao nosso ver, dependendo de uma expansão rápida dos projetos verdadeiramente embuídos do compromisso de transformar a escola, para se adequar aos novos tempos.
Se hoje ainda são experiências locais, as que estão demonstrando a viabilidade da inclusão, em escolas e redes de ensino brasileiras, estas experiências têm a força do óbvio e a clareza da simplicidade e só essas virtudes são suficientes para se antever o crescimento desse novo paradigma no sistema educacional.
Não se muda a escola com um passe de mágica.
A implementação da escola de qualidade, que é igualitária, justa e acolhedora para todos, é um sonho possível.
A aparente fragilidade das pequenas iniciativas, ou seja, essas experiências locais que têm sido suficientes para enfrentar o poder da máquina educacional, velha e enferrujada, com segurança e tranquilidade. Essas iniciativas têm mostrado a viabilidade da inclusão escolar nas escolas brasileiras.
As perspectivas do ensino inclusivo são, pois, animadoras e alentadoras para a nossa educação. A escola é do povo, de todas as crianças, de suas famílias, das comunidade, em que se inserem.
Crianças, bem-vindas à uma nova escola !

BIBLIOGRAFIA
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Maria Teresa Eglér Mantoan
Universidade Estadual de Campinas - Faculdade de Educação
Departamento de Metodologia de Ensino
Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade - LEPED/UNICAMP
Sabemos que a situação atual do atendimento às necessidades escolares da criança brasileira é responsável pelos índices assustadores de repetência e evasão no ensino fundamental. Entretanto, no imaginário social, como na cultura escolar, a incompetência de certos alunos - os pobres e os deficientes - para enfrentar as exigências da escolaridade regular é uma crença que aparece na simplicidade das afirmações do senso comum e até mesmo em certos argumentos e interpretações teóricas sobre o tema.
Por outro lado, já se conhece o efeito solicitador do meio escolar regular no desenvolvimento de pessoas com deficiências (Mantoan:1988) e é mesmo um lugar comum afirmar-se que é preciso respeitar os educandos em sua individualidade, para não se condenar uma parte deles ao fracasso e às categorias especiais de ensino. Ainda assim, é ousado para muitos, ou melhor, para a maioria das pessoas, a idéia de que nós, os humanos, somos seres únicos, singulares e que é injusto e inadequado sermos categorizados, a qualquer pretexto!
Todavia, apesar desses e de outros contra-sensos, sabemos que é normal a presença de déficits em nossos comportamentos e em áreas de nossa atuação, pessoal ou grupal, assim como em um ou outro aspecto de nosso desenvolvimento físico, social, cultural, por sermos seres perfectíveis, que constróem, pouco a pouco e, na medida do possível, suas condições de adaptação ao meio. A diversidade no meio social e, especialmente no ambiente escolar, é fator determinante do enriquecimento das trocas, dos intercâmbios intelectuais, sociais e culturais que possam ocorrer entre os sujeitos que neles interagem.
Acreditamos que o aprimoramento da qualidade do ensino regular e a adição de princípios educacionais válidos para todos os alunos, resultarão naturalmente na inclusão escolar dos deficientes. Em consequência, a educação especial adquirirá uma nova significação. Tornar-se-á uma modalidade de ensino destinada não apenas a um grupo exclusivo de alunos, o dos deficientes, mas especializada no aluno e dedicada à pesquisa e ao desenvolvimento de novas maneiras de se ensinar, adequadas à heterogeneidade dos aprendizes e compatível com os ideais democráticos de uma educação para todos.
Nessa perspectiva, os desafios que temos a enfrentar são inúmeros e toda e qualquer investida no sentido de se ministrar um ensino especializado no aluno depende de se ultrapassar as condições atuais de estruturação do ensino escolar para deficientes. Em outras palavras, depende da fusão do ensino regular com o especial.
Ora, fusão não é junção, justaposição, agregação de uma modalidade à outra. Fundir significa incorporar elementos distintos para se criar uma nova estrutura, na qual desaparecem os elementos iniciais, tal qual eles são originariamente. Assim sendo, instalar uma classe especial em uma escola regular nada mais é do que uma justaposição de recursos, assim como o são outros, que se dispõem do mesmo modo.
Outros obstáculos à consecução de um ensino especializado no aluno, implicam a adequação de novos conhecimentos oriundos das investigações atuais em educação e de outras ciências às salas de aula, às intervenções tipicamente escolares, que têm uma vocação institucional específica de sistematizar os conhecimentos acadêmicos, as disciplinas curriculares. De fato, nem sempre os estudos e as comprovações científicas são diretamente aplicáveis à realidade escolar e as implicações pedagógicas que podemos retirar de um novo conhecimento também precisam de ser testadas, para confirmar sua eficácia no domínio do ensino escolar.
O paradigma vigente de atendimento especializado e segregativo é extremamente forte e enraizado no ideário das instituições e na prática dos profissionais que atuam no ensino especial. A indiferenciação entre os significados específicos dos processos de integração e inclusão escolar reforça ainda mais a vigência do paradigma tradicional de serviços e muitos continuam a mantê-lo, embora estejam defendendo a integração!
Ocorre que os dois vocábulos - integração e inclusão - conquanto tenham significados semelhantes, estão sendo empregados para expressar situações de inserção diferentes e têm por detrás posicionamentos divergentes para a consecução de suas metas. A noção de integração tem sido compreendida de diversas maneiras, quando aplicada à escola. Os diversos significados que lhe são atribuídos devem-se ao uso do termo para expressar fins diferentes, sejam eles pedagógicos, sociais, filosóficos e outros. O emprego do vocábulo é encontrado até mesmo para designar alunos agrupados em escolas especiais para deficientes, ou mesmo em classes especiais, grupos de lazer, residências para deficientes. Por tratar-se de um constructo histórico recente, que data dos anos 60, a integração sofreu a influência dos movimentos que caracterizaram e reconsideraram outras idéias, como as de escola, sociedade, educação. O número crescente de estudos referentes à integração escolar e o emprego generalizado do termo têm levado a muita confusão a respeito das idéias que cada caso encerra.
Os movimentos em favor da integração de crianças com deficiência surgiram nos países nórdicos (Nirje, 1969), quando se questionaram as práticas sociais e escolares de segregação, assim como as atitudes sociais em relação às pessoas com deficiência intelectual.
A noção de base em matéria de integração é o princípio de normalização, que não sendo específico da vida escolar, atinge o conjunto de manifestações e atividades humanas e todas as etapas da vida das pessoas, sejam elas afetadas ou não por uma incapacidade, dificuldade ou inadaptação. A normalização visa tornar accessível às pessoas socialmente desvalorizadas condições e modelos de vida análogos aos que são disponíveis de um modo geral ao conjunto de pessoas de um dado meio ou sociedade; implica a adoção de um novo paradigma de entendimento das relações entre as pessoas fazendo-se acompanhar de medidas que objetivam a eliminação de toda e qualquer forma de rotulação.
Modalidades de inserção
Uma das opções de integração escolar denomina-se mainstreaming, ou seja, "corrente principal" e seu sentido é análogo a um canal educativo geral, que em seu fluxo vai carregando todo tipo de aluno com ou sem capacidade ou necessidade específica. O aluno com deficiência mental ou com dificuldades de aprendizagem, pelo conceito referido, deve ter acesso à educação, sua formação sendo adaptada às suas necessidades específicas. Existe um leque de possibilidades e de serviços disponíveis aos alunos, que vai da inserção nas classes regulares ao ensino em escolas especiais. Este processo de integração se traduz por uma estrutura intitulada sistema de cascata, que deve favorecer o "ambiente o menos restritivo possível", dando oportunidade ao aluno, em todas as etapas da integração, transitar no "sistema", da classe regular ao ensino especial. Trata-se de uma concepção de integração parcial, porque a cascata prevê serviços segregados que não ensejam o alcance dos objetivos da normalização.
De fato, os alunos que se encontram em serviços segregados muito raramente se deslocam para os menos segregados e, raramente, às classes regulares. A crítica mais forte ao sistema de cascata e às políticas de integração do tipo mainstreaming afirma que a escola oculta seu fracasso, isolando os alunos e só integrando os que não constituem um desafio à sua competência (Doré et alii.,1996). Nas situações de mainstreaming nem todos os alunos cabem e os elegíveis para a integração são os que foram avaliados por instrumentos e profissionais supostamente objetivos. O sistema se baseia na individualização dos programas instrucionais, os quais devem se adaptar às necessidades de cada um dos alunos, com deficiência ou não.
A outra opção de inserção é a inclusão, que questiona não somente as políticas e a organização da educação especial e regular, mas também o conceito de integração - mainstreaming. A noção de inclusão não é incompatível com a de integração, porém institue a inserção de uma forma mais radical, completa e sistemática. O conceito se refere à vida social e educativa e todos os alunos devem ser incluídos nas escolas regulares e não somente colocados na "corrente principal". O vocábulo integração é abandonado, uma vez que o objetivo é incluir um aluno ou um grupo de alunos que já foram anteriormente excluídos; a meta primordial da inclusão é a de não deixar ninguém no exterior do ensino regular, desde o começo. As escolas inclusivas propõem um modo de se constituir o sistema educacional que considera as necessidades de todos os alunos e que é estruturado em função dessas necessidades. A inclusão causa uma mudança de perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar somente os alunos que apresentam dificuldades na escola, mas apoia a todos: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral. O impacto desta concepção é considerável, porque ela supõe a abolição completa dos serviços segregados (Doré et alii. 1996). A metáfora da inclusão é a do caleidoscópio. Esta imagem foi muito bem descrita no que segue: "O caleidoscópio precisa de todos os pedaços que o compõem. Quando se retira pedaços dele, o desenho se torna menos complexo, menos rico. As crianças se desenvolvem, aprendem e evoluem melhor em um ambiente rico e variado" (Forest et Lusthaus, 1987 : 6).
A inclusão propiciou a criação de inúmeras outras maneiras de se realizar a educação de alunos com deficiência mental nos sistemas de ensino regular, como as "escolas heterogêneas" (Falvey et alii., 1989), as "escolas acolhedoras" (Purkey et Novak, 1984), os "currículos centrados na comunidade" (Peterson et alii.,1992).
Resumindo, a integração escolar, cuja metáfora é o sistema de cascata, é uma forma condicional de inserção em que vai depender do aluno, ou seja, do nível de sua capacidade de adaptação às opções do sistema escolar, a sua integração, seja em uma sala regular, uma classe especial, ou mesmo em instituições especializadas. Trata-se de uma alternativa em que tudo se mantém, nada se questiona do esquema em vigor. Já a inclusão institui a inserção de uma forma mais radical, completa e sistemática, uma vez que o objetivo é incluir um aluno ou grupo de alunos que não foram anteriormente excluídos. A meta da inclusão é, desde o início não deixar ninguém fora do sistema escolar, que terá de se adaptar às particularidades de todos os alunos para concretizar a sua metáfora - o caleidoscópio.
Considerações finais
De certo que a inclusão se concilia com uma educação para todos e com um ensino especializado no aluno, mas não se consegue implantar uma opção de inserção tão revolucionária sem enfrentar um desafio ainda maior : o que recai sobre o fator humano. Os recursos físicos e os meios materiais para a efetivação de um processo escolar de qualidade cedem sua prioridade ao desenvolvimento de novas atitudes e formas de interação, na escola, exigindo mudanças no relacionamento pessoal e social e na maneira de se efetivar os processos de ensino e aprendizagem. Nesse contexto, a formação do pessoal envolvido com a educação é de fundamental importância, assim como a assistência às famílias, enfim, uma sustentação aos que estarão diretamente implicados com as mudanças é condição necessária para que estas não sejam impostas, mas imponham-se como resultado de uma consciência cada vez mais evoluída de educação e de desenvolvimento humano.

Referências bibliográficas
BROWN,L. et alii (1983). Enseigner aux élèves gravement handicapés à accomplir des tâches essentielles em millieu de travail hétérogène.Wisconsin: University of Wisconsin e Madison Metropolitan School District.
DORÉ,R., WAGNER,S.,BRUNET,J.P. (1996). Conditions d'intégration à l'école secondaire - Déficience intellectuelle (título provisório). Em preparação.
FALVEY, M.A. e HANEY, M.Partnerships with parents and significant others. Em: Falvey, M.A. Community-basa curriculum. Instructional strategies for students with severe handicaps. Baltimore, MD: Paul H. Brookes Publishing Co. 15-34.
FERGUSSON,D.L. et alii (1992). Figuring out what to do with grownups:how teachers make inclusion "work"for students with disabilities. Em: The Journal of the Association for Persons With Severe Disabilities (JASH), 17 (4), 218-226.
FOREST,M. et LUSTHAUS,E. (1987). Le kaleidoscope: un défi au concept de la classification en cascade. Em:Forest,M.(organizadora) Education-Intégration. Downsview, Ontario: L'Institut A.Roeher. Vol. II.1-16.
MANTOAN,M.T.E. (1988). Compreendendo a deficiência mental: novos caminhos educacionais. São Paulo: Editora Scipione.
NIRJE,B. (1969). The normalization principle and its human management implications. Em: Kugel,R. et Wolfensberger,W. Changing patterns in residential services for the mentally retarded. Washington, Dc: President's Committee on Mental Retardation.
PURKEY,W.W. et NOVAK,J.M. (1984). Inviting school success. A self-concept approach to teaching and learning. Belmont: Wadsworth.
SAINT-LAURENT,L. (1994). L'éducation intégrée à la communauté en déficience intellectuelle. Montréal, Québec: Les Editions Logiques Inc.


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